
Muita gente considera frescura o ato de cheirar o vinho. Numa degustação dos vinhos portugueses Buçaco percebi que o representante da vinícola, António Rocha, não fazia comentários sobre as características de cada safra enquanto eu e os demais à mesa trocávamos opiniões sobre as nuances daquelas maravilhas engarrafadas, ainda mais desafiadoras à medida que os rótulos retroagiam ao século passado. Para ele, tudo se resume a uma questão simples: “Vinho tem de cheirar a vinho”.
É verdade, ninguém é obrigado a decifrar os aromas que a bebida apresenta. Mas também é verdade que eles estão lá, na garrafa recém-aberta e nas taças, independente de serem cheirados a fundo ou não. Mas não custa nada dar uma cheiradinha, pelo simples fato de que ela pode revelar, de imediato, se o vinho está estragado ou não. São famosos os odores desagradáveis de mofo provocados por fungos na rolhas, que passam para o líquido, ou de vinagre, quando o vinho oxidou. Antes de mofar ou avinagrar a boca não seria interessante enfiar o nariz na taça?
E por que não aproveitar a grande vantagem oferecida por nosso olfato para esticar o prazer dessa intrigante bebida? Ele é bem mais versátil do que pensávamos. Há muito tempo os cientistas sustentam que somos capazes de identificar entre 10 mil e 25 mil odores diferentes, o que já seria espantoso. Mas a especialista em olfação Leslie Vosshall, da Universidade Rockfeller, de Nova York, começou a duvidar desses números ao considerar que, se o ouvido distingue cerca de 340 mil sons e os olhos, 10 milhões de cores com apenas três receptores de luz, por que o nariz só reconheceria esses poucos milhares de cheiros se dispõe de 400 sensores olfativos?
Suas pesquisas levaram à seguinte reflexão: “Nossos ancestrais usavam bem mais o olfato. No mundo moderno, a refrigeração e a higiene corporal limitaram os odores, o que explicaria nossa atitude segundo a qual o olfato não é tão importante quando a audição ou a visão”. E passando da teoria à prática, chegou à conclusão, baseada em suas longas pesquisas envolvendo a cavidade nasal humana, que somos capazes de reconhecer perto de um bilhão de odores. Uma bela perspectiva para quem deseja ampliar os sentidos da degustação, não só de vinhos e outras bebidas, mas também da comida. Além do prazer imediato, podemos acionar mais tarde nossa poderosa memória olfativa para lembranças que nos fizeram bem. Não é bom?