Com a proximidade sonhada do verão no hemisfério norte, todos começam a se coçar de emoção e a imaginar o que fazer para tornar as férias ainda mais cheias de momentos agradáveis. Os franceses, então, descem a minúcias incríveis e um texto de Fabrice Gil no respeitado site de gastronomia Atabula coloca a questão aí do título, avisando de cara: “Não creiam que esta seja uma questão anódina!”.
Segue-se um hilariante diálogo ao lado da churrasqueira entre amigos pró-furo e não-furo e a coisa quase termina em previsíveis furos não na linguiça, mas na barriga de algum deles. Para esclarecer a ardente questão o site convoca especialistas, isto é, mestres linguiceiros de respeito, como Alexandre Polmard, que decreta: “É preciso um bom equilíbrio entre a carne magra, a gordura e os temperos; uma salsicha pequena e com pouca gordura não precisa ser furada, a fim de preservar sua maciez. Se a linguiça tiver mais gordura é possível furá-la, mas atenção, a gordura pode cair nas brasas e queimar o que estiver em volta”.
Outro mestre, Hugo Desnoyer, aconselha a quem não tem churrasqueira fritar a linguiça em uma frigideira com um pouco de água, junto com um pouco de tomilho e louro, a fim de conservar a maciez proporcionada pela gordura. E aí me lembro de mamãe Geralda fazendo exatamente isso: colocava água e quando evaporava, a linguiça (feita em casa) ficava dourada com a fritada final. Sem furos, mas com imenso e inesquecível sabor.
É muito interessante perceber quando o vinho está dialogando bem com a comida. Mas isso não deve ser uma preocupação excessiva, que acabe tirando o prazer na hora de escolher o cardápio em casa. Em pequenas regiões da Europa a regra é uma só: comer o que é produzido ali junto ao vinho local. E todos são felizes para sempre. Nos restaurantes, podemos dialogar com o sommelier porque nem sempre sabemos os ingredientes das receitas, mas em casa o critério passa a ser nosso. A seguir, dicas para facilitar a preferência pelo vinho que irá acompanhar algumas preparações que, em geral, são servidas nas boas ocasiões da vida.
Ballotine de salmão do The Tasting Room do hotel Le Quartier Français, África do Sul
Foie gras: champanhe safrado (grand millésime), Gewurztraminer Vendanges Tardives, vinhos doces naturais Barsac ou Sauternes e ainda o Tokay húngaro.
Presunto cru de Parma ou San Daniele: brancos secos, como um bom Pinot Grigio italiano ou champanhe rosé safrado.
Pâtés, terrines de carne e embutidos: vinhos tintos mais encorpados, como os franceses Madiran ou Cahors, um português de vinhas velhas do Douro ou do Alentejo, um espanhol de Ribera del Duero ou um Cabernet Sauvignon premium do Chile.
Salmão defumado: champanhe, Riesling grand cru da Alsácia ou Riesling Qualitätswein mit Prädikat da Alemanha.
Grelhados do Elena, rest. do hotel Four Seasons de Buenos Aires
Frutos do mar, peixes e crustáceos
Coquilles Saint-Jacques: branco seco como Chablis, Sauvignon Blanc da Nova Zelândia, champanhe brut.
Camarões: a maior parte dos brancos secos de boa estrutura, como o Chardonnay da Bourgogne ou da Califórnia.
Lagostins: um branco ou um rosé delicados, ambos da Provence francesa.
Lagosta: vinhos brancos aromáticos, como Châteauneuf-du-Pape; um excelente Albariño espanhol ou Alvarinho português e ainda, para atingir a perfeição, os grandes champanhes safrados.
Ostras e mexilhões: Chablis de preferência, mas vai bem com um espumante de alta qualidade, como um Franciacorta italiano, um cava espanhola ou um brasileiro elaborado pelo método tradicional.
Bacalhau: brancos de forte estrutura, como os do Alentejo e do Douro, ou tintos de respeito da Bairrada.
Peixes grelhados: vinhos brancos secos (Riesling alemão ou alsaciano, Sauvignon Blanc do Loire ou os bons portugueses com as uvas Arinto e Antão Vaz).
Peixes ao molho ou com creme: pedem vinhos brancos encorpados, com Chardonnay ou Viognier. E para quebrar regras, um tinto mais ligeiro, com Pinot Noir.
Salmão grelhado: vinhos brancos de grande estrutura, como Montrachet e Condrieu, da França, ou os espanhóis com a uva Godello, de Valdeorras.
Frango assado da rotisseria Felice e Maria, de Massimo Ferrari – SP
Aves
Ao molho de vinho: coq au vin, galinha d´angola, perdiz, faisão e pombo ficam bem com Pinot Noir.
Peru: branco como o francês Sancerre; tintos como o Barolo italiano ou os melhores com a uva Zinfandel da Califórnia.
Pato assado: tintos fortes e equilibrados como os graúdos do Douro, Portugal; Hermitage ou Pauillac, da França.
Confit de pato: tintos encorpados, como os franceses Madiran, Cahors e Saint-Émilion. Afinal, são vinhos de regiões próximas a essa iguaria típica do Périgord.
Magret de pato: tintos como o Mercurey, da Bourgogne; com a uva portuguesa Touriga Nacional ou com um Carmenère de primeira classe do Chile. Como opção, um rosé da denominação francesa Bandol.
Carnes
Costeletas de cordeiro: vinhos tintos não muito fortes por seus taninos, como um Malbec premium da Argentina.
Gigot de cordeiro: essa carne nobre pede os grandes tintos de Bordeaux, sobretudo do Médoc; os melhores da Rioja, Ribera del Duero e Priorat, da Espanha; um Shiraz de exceção da Austrália; um supertoscano.
Vitelo: vinhos tintos amáveis, com Pinot Noir ou mesmo um cru do Beaujolais e vinhos brancos densos e aromáticos, como o Vouvray francês.
Carnes vermelhas de cozimento ao vinho: vinhos do Sul da França, como Gigondas, Côte-Rôtie ou Bandol. E bons tintos em geral com Cabernet Sauvignon e Merlot. Em geral, acompanhe com o mesmo tinto usado no cozimento: um boeuf bourguignon feito com Pinot Noir pede um Bourgogne, naturalmente, e se o vinho for Cabernet, a mesma coisa. E, claro, o vinho que vai na taça deve ser superior àquele empregado na panela.
Pratos de caça – Bordeaux encorpados, espanhóis de Rioja, Ribera del Duero, Priorat; os grandes Syrah do Rhône e da Austrália, alentejanos com Alicante Bouschet e Aragonês.
Ravioli de ricota e limão siciliano do Fasano – SP
Massas
É absolutamente natural que os vinhos italianos sejam os mais indicados para acompanhar as massas, pizzas e assemelhados, dentro do espírito de complementaridade determinado pela tradição. É comum dizer que os vinhos da Bota são feitos essencialmente para a mesa – é uma grande verdade, a acidez de boa parte deles é, antes de mais nada, gastronômica.
Churrasco
Diante de um suculento pedaço de carne instintivamente pensamos em beber vinho. O truque de nosso cérebro: a gordura da carne pede a adstringência de um vinho, preferencialmente tinto, para haver equilíbrio no paladar. Por isso, os vinhos com Tannat, especialidade do Uruguai e também com bons representantes na Campanha Gaúcha, são bem indicados.
É a boca que envia a mensagem, segundo os cientistas da Universidade de Rutgers, de New Jersey, e do Centro Monell para os Sentidos, da Filadélfia. Ela fica imediatamente interessada na acidez do vinho quando recebe um bocado de carne, como a picanha, justificando o que afirmou Paul Breslin, da Rutgers University: “A oposição entre as sensações gorda e adstringente nos permite comer alimentos ricos em gorduras mais facilmente se ingerimos também o adstringente com eles”.
Queijos
Eles foram feitos um para o outro e em países como a França e os outros europeus de língua latina são obrigatórios. Sobretudo associados ao vinho. Mas como é enorme a quantidade tanto de queijos quanto de vinhos, procura-se normalmente fazer a harmonia entre eles usando-se estes conceitos:
– queijos frescos com pouco sal (Minas, ricota, cream cheese) pedem vinhos brancos macios, pouco ácidos;
– queijos frescos salgados ou de meia-cura (Feta grego, mussarela, Serra da Canastra) se acomodam bem com tintos jovens;
– queijos de massa mole branca (Brie, Camembert, Boursin, Banon, Chabichou) ganham na presença de tintos jovens elegantes, como os da Bourgogne, ou brancos com Sauvignon Blanc;
– queijos de massa mole amarelada (Serra da Estrela, Taleggio, Brie e Camembert maturados, Livarot, Reblochon, Torta del Casar espanhol) vão bem com tintos encorpados, mas não muito antigos;
– queijos de massa com média consistência (Tilsit, Gouda, Gruyère, Emmental, Provolone) pedem tintos ligeiros;
– queijos envelhecidos de massa dura (parmesão, Pecorino, Manchego) solicitam tintos bem estruturados, consistentes;
– queijos de massa picante, como os azulados (Roquefort, Bleu de Bresse, Gorgonzola, Stilton, Danish Blue) pedem vinho do Porto, jerez oloroso e outros doces naturais como o Sauternes;
– queijos de leite de cabra gostam de brancos encorpados ou tintos leves.
Biscuit ao sabor cítrico do rest. Villa Florentine, de Lyon, França
Sobremesas
A maioria delas recebe bem a companhia de vinhos doces naturais: Sauternes, Montbazillac e vinhos vendanges tardives da França; os moscatos em geral (o italiano de Pantelleria, por exemplo); os moscatéis de Setúbal, Portugal, os champanhes e bons espumantes demi-secs. Quanto ao chocolate, no geral vai bem com um vinho do Porto vintage ou com o Banyuls francês.