Comprar vinho verificando a safra é importante?

Bordeaux, vinhedos de Saint-Emilion
Bordeaux, vinhedos em Saint-Emilion

Muito, principalmente se ele é do hemisfério norte, onde o humor da natureza é mais instável do que no sul e provoca grandes oscilações na maturação ideal das uvas, ora com chuvas fortes ora com calor excessivo. Observe essa tabela com as notas de 1 a 5 das regiões vitícolas da França e verá que há grandes mudanças de ano a ano em cada uma delas, mesmo em um país de tamanho médio como a França, proporcional a Minas Gerais.

A região de Bordeaux, por exemplo, não chegou a ficar inteiramente feliz com as safras de 2006 a 2008, mas foi abençoada pelos céus em 2009 e 2010, voltou a níveis apenas aceitáveis em 2011 e 2012 e foi castigada duramente em 2013. O principal reflexo é nos preços, razoáveis nas safras idem e estratosféricos nas excelentes. Portanto, nem sempre o preço bom de uma garrafa vinda de uma região de prestígio é garantia de líquido decente. Essa tabela foi publicada originalmente pelo jornal Le Figaro: 5 indica uma safra excepcional, 4 ótima, 3 boa, 2 média e 1 fraca.

Ano 14 13 12 11 10 09 08 07 06 05 04 03 02 01 00 99 98 97
Alsácia 4 2 3 3 2 3 3 4 2 4 2 3 2 3 5 3 3 2
Beaujolais 4 2 3 5 4 5 3 3 3 5 2 4 3 2 4 4 3 2
Bordeaux tinto 3 1 3 3 5 5 3 3 3 5 3 4 2 4 4 3 3 2
Bordeaux branco 4 2 3 3 4 4 2 3 4 4 4 3 4 4 3 3 3 2
Bordeaux licoroso 3 3 2 4 3 4 3 4 3 4 2 5 3 5 3 4 4 5
Bourgogne tinto 4 2 3 3 4 5 3 4 3 5 3 4 4 3 3 5 4 4
Bourgogne branco 4 3 4 3 5 3 3 3 4 5 4 3 5 2 4 3 3 3
Chablis 3 2 2 3 4 3 2 4 3 5 3 3 4 2 4 3 3 3
Champagne 3 3 2 3 2 4 2 5 1 3 3 3 2
Jura branco 3 2 3 3 4 3 3 3 3 4 2 3 3 4 3 3 3 5
Jura vin jaune 2 3 5 3 3 4 2 5 3 4 2
Jura tintos 2 1 2 3 3 5 3 3 3 5 2 4 2 4 3 3 4 2
Jura vins de pailles 2 1 4 4 5 3 3 2 2 4 2 5 2 3 4 3 4 3
Languedoc-Roussillon 4 2 2 4 3 3 3 5 2 3 2 3 1 4 4 4 5 2
Provence / Corse 4 2 3 3 5 4 3 3 3 4 3 4 2 5 3 4 5 3
Rhône (norte) tintos 4 2 4 3 4 5 2 3 4 4 3 4 2 5 4 5 4 3
Rhône (norte) brancos 4 3 4 3 4 3 4 3 4 4 3 2 3 5 4 5 4 3
Rhône (sul) 4 2 3 3 3 4 2 5 3 4 4 4 1 5 3 4 5 2
Sudoeste licorosos 3 1 2 3 4 5 4 3 3 5 3 4 2 5 3 4 4 4
Sudoeste tintos 3 1 2 4 3 5 3 3 3 5 3 4 2 5 5 3 4 5
Loire tintos 3 1 2 2 3 5 3 3 3 5 3 5 4 3 3 4 3 4
Loire brancos secos 4 2 2 3 3 4 4 4 3 4 2 3 2 5 2 4 3 3
Loire brancos licorosos 2 1 1 3 3 4 3 3 2 4 2 4 2 5 3 3 2 5

Quatro vinhos para o frio

As prateleiras dos supermercados e os sites das importadoras estão repletos de rótulos. Qual escolher? Uma decisão nem sempre fácil, já que o vinho surpreende a cada safra e a qualidade é distinta. Aqui, quatro sugestões de tintos para os dias frios que estão aí. Para variar, incomoda o preço dos estrangeiros, por conta dos nossos indecentes e mal usados impostos (que o Congresso acabou de aumentar ainda mais!) e de uma burocracia que exaspera os importadores. Descobrir o quanto custam em lojas na Europa, já com o lucro da vinícola e do vendedor final, incomoda tanto quanto um vinho ruim.

Alves Vieira 2013 **

Um tinto do Alentejo, da vila de Vidigueira, com Trincadeira, Touriga Nacional e Alicante Bouschet, 13% de álcool. Não maturou em barrica e por isso é simples e gostoso, com cheiro de frutas vermelhas e gosto equilibrado. Para o dia a dia, pratos simples: arroz, feijão, bife e batata. Preço justo. R$48, importado por La Pastina

Bueno Paralelo 31 ***

Nem todos gostam do estilo do narrador Galvão Bueno, mas seu vinho é bom. Com Cabernet Sauvignon, Merlot e Petit Verdot da região do Seival, na Campanha Gaúcha, com clima mais favorável aos vinhedos, 14% de álcool. Aroma e gosto de média intensidade, vai bem com carnes vermelhas grelhadas. Da Bueno Wines, R$95. Não poderia ser mais barato?

Esporão Reserva Tinto 2012 ***

Da vinícola alentejana de mesmo nome, com Alicante Bouschet, Aragonês, Cabernet Sauvignon, Trincadeira e outras. Frutado denso e gostoso de beber, sem taninos incomodando as papilas. Um bom acompanhante para cordeiro e cabrito assados. Mesmo com os impostos, vale o preço. R$134, da Qualimpor.

Emilio Moro 2010 ***

Tinto espanhol de Ribera del Duero com a uva Tinto Fino, como a Tempranillo é chamada na região, 14,5% de álcool. Aroma e corpo lembrando frutas negras, como amora, e também um tantinho de baunilha. Desce agradando e se dá bem com carnes de panela, mas daria mais prazer se custasse um pouquinho menos. R$143,50, da Épice

E o bife dos tártaros, com qual vinho vai?

Steak tartar do restaurante Parigi, São Paulo. Foto: Zé Carlos Barretta/Divulgação Fasano.

Steak tartar do restaurante Parigi, São Paulo. Foto: Zé Carlos Barretta/Divulgação Fasano

Não é tão popular quanto o hamburguer, mas tem admiradores incondicionais: é o steak tartar, filé mignon cru temperado na hora e carregado de sabor pelos possantes ingredientes: mostarda, alcaparras, cebola, gema de ovo, azeite, pimenta (Tabasco na maioria das vezes) e molho inglês Worcestershire. Uma ou outra variação existe, mas esta é a base de um bom bife tártaro, como é chamado pelos portugueses, avessos ao uso de expressões em outros idiomas.

Sua origem estaria no costume dos cavaleiros tártaros, da Mongólia, que colocavam pedaços de carne entre a sela e o cavalo para amaciá-la e, de quebra, ser temperada pelo suor salgado do animal. Prática que foi mencionada por Jules Verne em seu clássico romance “Michel Strogoff”, publicado em 1875 e que também seria usada pelos tropeiros brasileiros em suas longas jornadas.

Nos restaurantes, o steak tartar é um prato normalmente preparado na cozinha e enviado à mesa todo certinho, com a carne espremida em um aro, parecendo hamburguer. Mas, quando é possível, dá gosto ver quando é preparado na hora, à sua frente, por um craque como o maître Hélio Andrade, do Parigi, em São Paulo. Vale pelo ritual de elegância e a qualidade dos ingredientes.

Mesmo sendo um prato frio, vai bem no inverno e, pela intensidade de seus sabores, pede um vinho tinto encorpado e com taninos preparados para a briga que chega ao paladar. Pela minha experiência, prefiro aqueles elaborados com Merlot, uva que se expressa bem no Chile. Alguns deles: Montes Alpha (importadora Mistral), Viña Ventisquero Grey Single Block (Cantu), Marques de Casa Concha (VCT), Terra Noble (Decanter), Los Boldos (La Pastina), Santa Carolina Gran Reserva 5 Estrellas (Casa Flora), Ecos de Rulo (World Wine), Tarapacá Gran Reserva (Épice), Vistamar Sepia Reserva (Malbec do Brasil), Santa Helena Selección del Directorio Gran Reserva (Interfood), Cousiño Macul (Santar) e J. Bouchon Reserva (Vinos y Vinos).

De Bordeaux, os Saint Émilion e Pomerol privilegiam a Merlot em sua composição, caso do Château Girolate (Grand Cru), Château Barateau (Mistral), Château Haut-Sarpe (Decanter), Château Clos Belair (Premium) e o Château Gazin (Vinci). Do Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha, onde a Merlot é a protagonista, sobressaem-se o Storia, da Casa Valduga, o Merlot Terroir, da Miolo e o Desejo da Salton.

SAC VCT (11) 5105-1599

Os vinhos orgânicos e biodinâmicos são melhores?

Corredor biológico da vinícola Emiliana: proteção natural
Corredor biológico da vinícola Emiliana: proteção natural

“Um vinho biodinâmico não é necessariamente bom, mas é sempre autêntico”. É o que diz o papa do biodinamismo nos vinhedos, o francês Nicolas Joly. Verdade ou consolo? Dificilmente alguém conseguirá identificar, numa degustação às cegas, quais são os vinhos resultantes de plantações onde não entram pesticidas, fungicidas, inseticidas ou herbicidas. E vice-versa. A informação prévia, então, é fundamental para a opção pelos vinhos que a irreverência brasileira qualifica como naturebas.

De certa forma a frase de Joly responde à questão do título. O vinho que expressa uma concepção sustentável da terra, tratada com respeito e dedicação pelo vinhateiro, pode não ser uma grande maravilha, mas satisfaz a quem preza a saúde e assume uma firme atitude sócio-ambiental. (Qualidade não é problema para Joly: seus vinhos, elaborados no Vale do Loire, são espetaculares, os brancos Coulée de Serrant e Savennières). Na França, ainda, o Domaine Liger-Belair, da Bourgogne, se destaca pela prática sustentável, produzindo ótimos tintos, importados pela Mistral

Coulée de Serrant, de Nicolas Joly: tudo natural
Coulée de Serrant, de Nicolas Joly: a natureza como ela é 

Na realidade, não é o vinho que é orgânico, natural ou biodinâmico – esses termos se referem aos métodos de plantio biológico e não ao processo de vinificação, no geral semelhante aos outros. Os orgânicos só usam adubos naturais (compostos) e não permitem defensivos industriais no vinhedo e nem leveduras químicas para a fermentação, mas aceitam o uso moderado de enxofre contra um dos males mais comuns nas plantações, o oídio (fungo) e também a velha calda bordalesa (sulfato de cobre, água e cal) contra o míldio, outra espécie de fungo que ataca a videira em regiões mais úmidas. Além disso, não aceitam organismos modificados geneticamente (OGM). Só não conseguem deixar de usar o fungicida e bactericida SO2 (anidrido sulfuroso) para a conservação do líquido.

Os vinhos “nature” ou naturais também seguem a maioria das práticas dos orgânicos e sua diferença principal reside no fato de que seus autores/enólogos dispensam a moderna tecnologia na adega e no laboratório – fazem vinhos como seus avôs, usando mais a intuição e respeitando o que determina a natureza a cada safra.

Domaine Liger-Belair, na Bourgogne: tratores banidos
Domaine Liger-Belair, na Bourgogne: tratores banidos

O método mais radical é o biodinâmico, com base nas teorias (controvertidas, para muitos) de Rudolf Steiner, filósofo, educador, esoterista, criador da Antroposofia, da Pedagogia Waldorf e da agricultura biodinâmica, entre outras atividades, divulgadas por ele em 1924 e que dá ênfase às influências cósmicas no manejo das plantações.

Uma das vinícolas que seguem com rigor as indicações de Steiner é a chilena Emiliana, pertencente ao grupo Concha y Toro mas com independência administrativa e de filosofia de trabalho. Em seus vinhedos em Los Robles e Casablanca, chama atenção imediata uma espécie de “galinheiro móvel”. O enólogo Cesar Morales me explicou que as aves são empregadas para comer um inseto que só existe no Chile, o “burrito de la vid”, que ganhou esse nome por sua cor cinza. As galinhas são recolhidas no fim do dia e de manhã são levadas aos locais onde se percebe a presença da praga, que se desenvolve na terra, junto às raízes, e depois sobe para atacar folhas e frutos.

Galinheiro móvel da Emiliana, Chile
Galinheiro móvel da Emiliana, Chile

De acordo com Morales, a opção pela cultura biodinâmica ocorreu em 1998 depois que o agrônomo responsável pelos vinhedos se queixou de irritações na pele e nos olhos, logo após suas inspeções nos terrenos, provocadas pelos pesticidas. A transformação foi gradual, com a adoção das práticas indicadas por Steiner, como a infusão da planta valeriana para aspersão nas folhas, os compostos de camomila, urtiga, aquiléia e casca de carvalho como adubos e o quartzo em pó colocado em chifres de vaca, enterrado por 6 meses e depois misturado com água para pulverizar e, segundo a teoria de Steiner, energizar as parreiras. Ou ainda as flores de aquiléia, também chamada mil-folhas, se decompondo longo tempo dentro de bexigas de veado e usadas contra doenças da vinha. Algo mais prosaico e de bom resultado é a criação de “corredores biológicos” entre as fileiras, com plantas e flores que atraem os insetos muito mais que a videira. E tratores não são usados, cavalos fazem o serviço de aragem e puxam as carroças no interior dos vinhedos.

Flores de aquiléia em bexigas de veado
Flores de aquiléia em bexigas de veado

Os vinhos da Emiliana, eleita “Green Company of the Year” em 2012 pela revista inglesa The Drinks Business, têm um nível geral muito bom, desde os mais simples, como as linhas Adobe, com um bom Carmenère, e a Novas, com 7 rótulos, entre eles um cristalino Chardonnay e um convincente Pinot Noir, passando também pela Signos de Origen, com um delicioso branco, La Vinilla 2012. Seus vinhos ícones são o vigoroso tinto Coyam e o elegante Gê. São importados pela La Pastina.

Lá no começo falei que a informação prévia é necessária para se saber quais os vinhos são orgânicos ou biodinâmicos e aí está o problema: a legislação brasileira tem tantos entraves burocráticos para a certificação que os importadores desistem de incluir essa informação nos rótulos. Resta a nós, consumidores, pesquisar, perguntar. Além das importadoras citadas, também trazem vinhos com característica natural a Decanter, Grand Cru, Vinos e Vinos, De La Croix, En Primeur, Adega Alentejana e Wine & Co, entre outras.

E em São Paulo, um bom lugar para beber e conhecer mais sobre os naturebas é a Enoteca Saint Vinsaint, do competente sommelier Ramatis Russo, sempre apresentando degustações e palestras focados neles.

Vinhos para momentos especiais

A compra de vinhos para o dia a dia sempre leva em conta uma qualidade pelo menos razoável do líquido e um preço na mesma linha. Mas há ocasiões que merecem uma comemoração à altura da alegria que proporcionam. A importadora Decanter fez uma seleção de alguns de seus vinhos mais emblemáticos para uma degustação durante a Expovinis, realizada em São Paulo, e recolhi impressões sobre alguns que me me deixaram bela impressão.

Se você gosta de surpreender os convidados com vinhos incomuns, o Vinogradi Fon Vitovska 2012, um branco da Eslovênia, pode ser um bom começo. Vitovska é a uva, para um vinho bem seco, com fina acidez, perfeito para o aperitivo. R$276,60.

Em outro estilo, este mais frutado e com sabor concentrado de especiarias, está o Riesling Erstes Gewächs Hölle Trocken 2010, do produtor Franz Künstler, alemão de Reinghau. R$290,10.

O Ribolla Gialla Anfora 2006, do produtor Gravner, do Friuli, Itália, é também um branco de impacto no aroma e sabor amplos, diferente e longo na boca, lembrando ervas de tempero e damasco seco. R$485,20

O tinto Sassella Rocce Rosse Riserva 2001, da vinícola Ar Pe Pe, Lombardia, Itália, é um encanto e cativa com seu corpo equilibrado e seco, lembrando funghi porcini. Maravilhoso para quem aprecia vinhos de safras mais antigas. R$436,80

Outro tinto, este com a pegada portuguesa do Douro, é o Alves de Sousa Reserva Pessoal 2005, com uma densidade de aroma e sabor (frutas negras, cedro) que impressiona. Tem longa permanência. R$377,90

Para a sobremesa, para meditar e seguir com ele na memória por muito tempo: o branco fortificado Domingos Soares Franco Moscatel Roxo 20 Anos, da vinícola portuguesa José Maria da Fonseca. Poesia em estado líquido. R$632,80

E para terminar, ou começar, você acredita em um espumante italiano que rivaliza com os grandes champagnes millesimés? A vinícola Ferrari confirma a lenda do nome. Não faz bólidos, mas elabora borbulhantes espetaculares, de acidez perfeita e duradoura, como o Giulio Ferrari Riserva del Fondatore 2002. R$640,60

www.decanter.com.br