As prateleiras dos supermercados e os sites das importadoras estão repletos de rótulos. Qual escolher? Uma decisão nem sempre fácil, já que o vinho surpreende a cada safra e a qualidade é distinta. Aqui, quatro sugestões de tintos para os dias frios que estão aí. Para variar, incomoda o preço dos estrangeiros, por conta dos nossos indecentes e mal usados impostos (que o Congresso acabou de aumentar ainda mais!) e de uma burocracia que exaspera os importadores. Descobrir o quanto custam em lojas na Europa, já com o lucro da vinícola e do vendedor final, incomoda tanto quanto um vinho ruim.
Alves Vieira 2013 **
Um tinto do Alentejo, da vila de Vidigueira, com Trincadeira, Touriga Nacional e Alicante Bouschet, 13% de álcool. Não maturou em barrica e por isso é simples e gostoso, com cheiro de frutas vermelhas e gosto equilibrado. Para o dia a dia, pratos simples: arroz, feijão, bife e batata. Preço justo. R$48, importado por La Pastina
Bueno Paralelo 31 ***
Nem todos gostam do estilo do narrador Galvão Bueno, mas seu vinho é bom. Com Cabernet Sauvignon, Merlot e Petit Verdot da região do Seival, na Campanha Gaúcha, com clima mais favorável aos vinhedos, 14% de álcool. Aroma e gosto de média intensidade, vai bem com carnes vermelhas grelhadas. Da Bueno Wines, R$95. Não poderia ser mais barato?
Esporão Reserva Tinto 2012 ***
Da vinícola alentejana de mesmo nome, com Alicante Bouschet, Aragonês, Cabernet Sauvignon, Trincadeira e outras. Frutado denso e gostoso de beber, sem taninos incomodando as papilas. Um bom acompanhante para cordeiro e cabrito assados. Mesmo com os impostos, vale o preço. R$134, da Qualimpor.
Emilio Moro 2010 ***
Tinto espanhol de Ribera del Duero com a uva Tinto Fino, como a Tempranillo é chamada na região, 14,5% de álcool. Aroma e corpo lembrando frutas negras, como amora, e também um tantinho de baunilha. Desce agradando e se dá bem com carnes de panela, mas daria mais prazer se custasse um pouquinho menos. R$143,50, da Épice
Corredor biológico da vinícola Emiliana: proteção natural
“Um vinho biodinâmico não é necessariamente bom, mas é sempre autêntico”. É o que diz o papa do biodinamismo nos vinhedos, o francês Nicolas Joly. Verdade ou consolo? Dificilmente alguém conseguirá identificar, numa degustação às cegas, quais são os vinhos resultantes de plantações onde não entram pesticidas, fungicidas, inseticidas ou herbicidas. E vice-versa. A informação prévia, então, é fundamental para a opção pelos vinhos que a irreverência brasileira qualifica como naturebas.
De certa forma a frase de Joly responde à questão do título. O vinho que expressa uma concepção sustentável da terra, tratada com respeito e dedicação pelo vinhateiro, pode não ser uma grande maravilha, mas satisfaz a quem preza a saúde e assume uma firme atitude sócio-ambiental. (Qualidade não é problema para Joly: seus vinhos, elaborados no Vale do Loire, são espetaculares, os brancos Coulée de Serrant e Savennières). Na França, ainda, o Domaine Liger-Belair, da Bourgogne, se destaca pela prática sustentável, produzindo ótimos tintos, importados pela Mistral
Coulée de Serrant, de Nicolas Joly: a natureza como ela é
Na realidade, não é o vinho que é orgânico, natural ou biodinâmico – esses termos se referem aos métodos de plantio biológico e não ao processo de vinificação, no geral semelhante aos outros. Os orgânicos só usam adubos naturais (compostos) e não permitem defensivos industriais no vinhedo e nem leveduras químicas para a fermentação, mas aceitam o uso moderado de enxofre contra um dos males mais comuns nas plantações, o oídio (fungo) e também a velha calda bordalesa (sulfato de cobre, água e cal) contra o míldio, outra espécie de fungo que ataca a videira em regiões mais úmidas. Além disso, não aceitam organismos modificados geneticamente (OGM). Só não conseguem deixar de usar o fungicida e bactericida SO2 (anidrido sulfuroso) para a conservação do líquido.
Os vinhos “nature” ou naturais também seguem a maioria das práticas dos orgânicos e sua diferença principal reside no fato de que seus autores/enólogos dispensam a moderna tecnologia na adega e no laboratório – fazem vinhos como seus avôs, usando mais a intuição e respeitando o que determina a natureza a cada safra.
Domaine Liger-Belair, na Bourgogne: tratores banidos
O método mais radical é o biodinâmico, com base nas teorias (controvertidas, para muitos) de Rudolf Steiner, filósofo, educador, esoterista, criador da Antroposofia, da Pedagogia Waldorf e da agricultura biodinâmica, entre outras atividades, divulgadas por ele em 1924 e que dá ênfase às influências cósmicas no manejo das plantações.
Uma das vinícolas que seguem com rigor as indicações de Steiner é a chilena Emiliana, pertencente ao grupo Concha y Toro mas com independência administrativa e de filosofia de trabalho. Em seus vinhedos em Los Robles e Casablanca, chama atenção imediata uma espécie de “galinheiro móvel”. O enólogo Cesar Morales me explicou que as aves são empregadas para comer um inseto que só existe no Chile, o “burrito de la vid”, que ganhou esse nome por sua cor cinza. As galinhas são recolhidas no fim do dia e de manhã são levadas aos locais onde se percebe a presença da praga, que se desenvolve na terra, junto às raízes, e depois sobe para atacar folhas e frutos.
Galinheiro móvel da Emiliana, Chile
De acordo com Morales, a opção pela cultura biodinâmica ocorreu em 1998 depois que o agrônomo responsável pelos vinhedos se queixou de irritações na pele e nos olhos, logo após suas inspeções nos terrenos, provocadas pelos pesticidas. A transformação foi gradual, com a adoção das práticas indicadas por Steiner, como a infusão da planta valeriana para aspersão nas folhas, os compostos de camomila, urtiga, aquiléia e casca de carvalho como adubos e o quartzo em pó colocado em chifres de vaca, enterrado por 6 meses e depois misturado com água para pulverizar e, segundo a teoria de Steiner, energizar as parreiras. Ou ainda as flores de aquiléia, também chamada mil-folhas, se decompondo longo tempo dentro de bexigas de veado e usadas contra doenças da vinha. Algo mais prosaico e de bom resultado é a criação de “corredores biológicos” entre as fileiras, com plantas e flores que atraem os insetos muito mais que a videira. E tratores não são usados, cavalos fazem o serviço de aragem e puxam as carroças no interior dos vinhedos.
Flores de aquiléia em bexigas de veado
Os vinhos da Emiliana, eleita “Green Company of the Year” em 2012 pela revista inglesa The Drinks Business, têm um nível geral muito bom, desde os mais simples, como as linhas Adobe, com um bom Carmenère, e a Novas, com 7 rótulos, entre eles um cristalino Chardonnay e um convincente Pinot Noir, passando também pela Signos de Origen, com um delicioso branco, La Vinilla 2012. Seus vinhos ícones são o vigoroso tinto Coyam e o elegante Gê. São importados pela La Pastina.
Lá no começo falei que a informação prévia é necessária para se saber quais os vinhos são orgânicos ou biodinâmicos e aí está o problema: a legislação brasileira tem tantos entraves burocráticos para a certificação que os importadores desistem de incluir essa informação nos rótulos. Resta a nós, consumidores, pesquisar, perguntar. Além das importadoras citadas, também trazem vinhos com característica natural a Decanter, Grand Cru, Vinos e Vinos, De La Croix, En Primeur, Adega Alentejana e Wine & Co, entre outras.
E em São Paulo, um bom lugar para beber e conhecer mais sobre os naturebas é a Enoteca Saint Vinsaint, do competente sommelier Ramatis Russo, sempre apresentando degustações e palestras focados neles.